sábado, 20 de março de 2021

A Luís de Camões - Jorge Luis Borges


Sem pena e sem ira o tempo vela
as heroicas espadas. Pobre e triste
a tua pátria saudosa preferiste
retornar, capitão, morrendo nela,
e com ela. No mágico deserto
a flor de Portugal se havia perdido
e o áspero espanhol, antes vencido,
ameaçava o seu flanco aberto.
Quero saber se aquém dessa ribeira
extrema compreendeste humildemente
que todo o perdido, o Ocidente
e o Oriente, o aço e a bandeira, 
perduraria (alheio a toda humana
mutação) em tua Eneida lusitana.

A Luis de Camoens

Sin lástima y sin ira el tiempo mella
las heroicas espadas. Pobre y triste
a tu patria nostálgica volviste,
oh capitán, para morir en ella 
y con ella. En el mágico desierto
la flor de Portugal se había perdido
y el áspero español, antes vencido,
amenazaba su costado abierto.
Quiero saber si aquende la ribera
última comprendiste humildemente
que todo lo perdido, el Occidente
y el Oriente, el acero y la bandera,
perduraría (ajeno a toda humana
mutación) en tu Eneida lusitana. 

    Jorge Luis Borges, in O fazedor (1960)

sexta-feira, 19 de março de 2021

Os Borges - Jorge Luis Borges

Bem pouco sei de meus antecessores

Portugueses, os Borges: vaga gente

Que prossegue em minha carne, obscuramente,

Seus hábitos, rigores e temores.

Tênues como se nunca houvessem sido

E alheios aos trâmites da arte,

Indecifravelmente fazem parte

Do tempo, dessa terra e do olvido.

Melhor assim. Vencida a peleia,

São Portugal, são a famosa gente

Que forçou as muralhas do Oriente

E fez-se ao mar e ao outro mar de areia.

São o rei que no místico deserto

Perdeu-se e o que jura não estar morto. 

    

Jorge Luis Borges, in O fazedor (1960)