quinta-feira, 29 de abril de 2021

Viagem passageira - Gilberto Gil


O sonho é ter tudo resolvido
Com o passar do tempo pela vida
A casca da ferida se formando
A cicatriz na pele do futuro

A pele do futuro finalmente
Imune ao corte, à lâmina do tempo
O tempo finalmente estilhaçado
E a poeira sumindo no horizonte

O sonho é ter tudo dissolvido
O corpo, a mente, a fonte da lembrança
Enfim, ponto final na esperança
Somente as ondas soltas no oceano

Não mais o esperma e o óvulo da morte
Não mais a incerteza do binário
Um tempo liso sem o fuso horário
Não mais um sim, um não, um sul, um norte

O sonho dessa canção passageira
Mochila da viagem passageira
Passagem nessa vida passageira
Para uma vida ainda passageira.

      (Canção composta por Gilberto Gil para o álbum A pele do futuro, de Gal Costa, de 2018)


sábado, 10 de abril de 2021

O filho pródigo

   Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me cabe". E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. 

   E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E caindo em si, disse: "Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados". Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai. 

    Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: "Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho". Mas o pai disse aos seus servos: "Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!" E começaram a festejar. 

    Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: "É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde". Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele, porém, respondeu a seu pai: "Há tantos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado!" 

    Mas o pai lhe disse: "Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!"  

Extraído do Evangelho Segundo São Lucas, capítulo 15, 11-32. Bíblia de Jerusalém, Ed. Paulus, São Paulo, 2019.