Num mundo em que pelo
menos cinco sextos das pessoas são canalhas, néscias ou imbecis, é preciso que
o retraimento seja a base do sistema de vida de cada indivíduo do outro sexto
restante – e quanto mais ele se distanciar dos demais tanto melhor. A convicção
de que o mundo é um deserto, em que não se pode contar com companhia, deve se
tornar uma sensação habitual. Assim como as paredes limitam o olhar, que de
novo se amplia tão logo se tenha diante de si campos e descampados, assim
também a companhia humana limita meu espírito, e a solidão de novo o amplia.
Giordano Bruno diz que o homem comum, normal, civil e urbano, que procura e
alcança a verdade, torna-se um homem selvagem, semelhante a um cervo ou
eremita; e que todos aqueles que neste mundo quisessem fruir uma vida superior
decerto diriam em uníssono: vede, fugi
para longe e permaneci na solidão (Salmos, 55, 8). Pois a ocupação com
coisas divinas os torna mortos para a multidão. De maneira semelhante
expressou-se Kleist, com louvor de Schiller:
Um
homem de verdade tem de ficar distante dos homens.
Num mundo tão
irrestritamente comum, todo aquele que for extraordinário irá necessariamente
se isolar, e de fato se isola. Quanto mais o homem se isola da companhia dos
homens, melhor se sente. Como os famintos que recusam um alimento estragado ou
envenenado, assim também devem proceder os homens que sentem falta de
companhia, em relação aos demais homens, considerando o que são. Uma felicidade
grande e rara é, portanto, possuir tanto em si que não se é impulsionado pelo
fastio interior ou pelo tédio a procurar a companhia dos homens, sobre os quais
até mesmo o nobre e brando Petrarca disse:
Pois
o homem não é apenas um animal vil e repugnante (digo isso a contragosto, quem
dera a experiência não o tivesse manifestado clara e repetidas vezes e não continuasse
a fazê-lo) mas também danoso, volúvel, pérfido, ambíguo, feroz e cruel! (De vita solitaria, 1346).
Arthur Schopenhauer (1788-1860).
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