Sandra
(Gilberto Gil)
Maria Aparecida, porque apareceu na vida
Maria Sebastiana, porque Deus fez tão bonita
Maria de Lourdes
Porque me pediu uma canção pra ela
Carmensita, porque ela sussurou: "Seja bem-vindo"
(No meu ouvido)
Na primeira noite quando nós chegamos no hospício
E Lair, Lair
Porque quis me ver e foi lá no hospício
Salete fez chafé, que é um chá de café que eu gosto
E naquela semana tomar chafé foi um vício
Andréia na estréia
No segundo dia, meus laços de fita
Cintia, porque, embora choque, rosa é cor bonita
E Ana, porque parece uma cigana da ilha
Dulcina, porque
É santa, é uma santa e me beijou na boca
Azul, porque azul é cor, e cor é feminina
Eu sou tão inseguro porque o muro é muito alto
E pra dar o salto
Me amarro na torre no alto da montanha
Amarradão na torre dá pra ir pro mundo inteiro
E onde quer que eu vá no mundo, vejo a minha torre
É só balançar
Que a corda me leva de volta pra ela:
Oh, Sandra
Comentários de Gil sobre essa música:
"Em 94, eu estava dando uma entrevista coletiva em
Curitiba, quando uma moça entrou e disse: 'Não se lembra de mim?' Eu fiquei
olhando, olhando, e ela então gritou: 'Andréia na estréia!' E eu: 'Claro!'
Andréia era a menina que eu tinha conhecido, em 76, na passagem do show dos
Doces Bárbaros pela cidade (antes de seguirmos para Florianópolis, onde eu fui
preso por porte de maconha e posto em tratamento ambulatorial numa clínica,
episódio em que a canção é baseada). Tínhamos ficado juntos na ocasião, e ela que
me levou a um armarinho para comprar as fitas com que me enlaçou os cabelos
trançados. Desde então nunca mais tínhamos nos reencontrado."
*
"Todas as meninas mencionadas em Sandra foram
personagens daqueles dias que eu vivi entre Curitiba e Florianópolis. Maria
Aparecida, Maria Sebastiana e Maria de Lourdes me atenderam no hospício durante
o internamento imposto pela justiça enquanto eu aguardava o julgamento. A de
Lourdes me falava a toda hora: 'Você vai fazer uma música pra mim, não vai?'
'Vou'. Carmensita: essa - foi interessantíssimo -, logo que eu cheguei, ela
veio e me disse, baixinho: 'Seja bem-vindo'. Lair era uma menina de fora, uma
fã que foi lá me visitar. Salete era de lá: 'Meu café é muito ralo', me falou.
'É exatamente como eu gosto, chafé', respondi. Cíntia: também de Curitiba, como
Andréia. Quando passamos pela cidade, me levou ao sítio dela uma tarde; foi
quem me deu uma boina rosa com a qual eu compareceria ao julgamento mais
adiante, em Florianópolis, e com a qual eu apareço no filme Os Doces Bárbaros.
Ana: ficou minha amiga até hoje; de Florianópolis. E Dulcina, que era a mais
calada, a mais recatada de todas na clínica, a mais mansa - era como uma freira
-, foi a única que um dia veio e me deu um beijo na boca.
"Sandra, citada no final da letra, era minha mulher,
que preferiu não ir a Florianópolis e com a qual eu associei a idéia do
hexagrama da torre, tirado no I Ching, um dos meus livros de cabeceira naquele
período: a que tomava conta de tudo; onde eu estivesse, o seu olhar espiritual
me acompanharia; seu ente se espraiaria, estendendo-se por todas as mulheres
com quem eu convivesse. A ela as mulheres citadas na letra remetiam por
representarem o feminino, a minha sustentação naquele momento.
"Mas o que ninguém sabe, e que não se revela de nenhuma
maneira na canção - o seu lado oculto -, é que há duas Sandras, a que é
mencionada no fim e a do título, que não se refere à Sandra com quem eu era
casado, mas a uma menina linda, maravilhosa, também chamada Sandra, que tietava
o Caetano em Curitiba, amiga da Andréia - que me tietava."
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