domingo, 11 de dezembro de 2011

Bom é corromper o silêncio das palavras - Manoel de Barros


Bom é corromper o silêncio das palavras.

Como seja:

Uma rã me pedra. (A rã me corrompeu para pedra. Retirou meus limites de ser humano e me ampliou para coisa. A rã se tornou o sujeito pessoal da frase e me largou no chão a criar musgos para tapete de insetos e de frades.)

Um passarinho me árvore. (O passarinho me transgrediu para árvore. Deixou-me aos ventos e às chuvas. Ele mesmo me bosteia de dia e me desperta nas manhãs.)

Os jardins se borboletam. (Significa que os jardins se esvaziaram de suas sépalas e de suas pétalas? Significa que os jardins se abrem agora só para o buliço das borboletas?)

Folhas secas me outonam. (Folhas secas que forram o chão das tardes me trasmudaram para outono? Eu sou meu outono.)

Gosto de viajar por palavras do que de trem. 

* * *
Manoel de Barros, in Retrato do artista quando coisa [1998].

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