Bom é corromper o silêncio das
palavras.
Como seja:
Uma rã me pedra. (A rã me corrompeu para pedra. Retirou meus
limites de ser humano e me ampliou para coisa. A rã se tornou o sujeito pessoal
da frase e me largou no chão a criar musgos para tapete de insetos e de
frades.)
Um passarinho me árvore. (O passarinho me transgrediu para árvore.
Deixou-me aos ventos e às chuvas. Ele mesmo me bosteia de dia e me desperta nas
manhãs.)
Os jardins se borboletam. (Significa que os jardins se esvaziaram
de suas sépalas e de suas pétalas? Significa que os jardins se abrem agora só
para o buliço das borboletas?)
Folhas secas me outonam. (Folhas secas que forram o chão das tardes
me trasmudaram para outono? Eu sou meu outono.)
Gosto de viajar por palavras do
que de trem.
* * *
Manoel de Barros, in Retrato do artista quando coisa [1998].
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