quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A rã - Manoel de Barros


O homem estava sentado sobre uma lata na beira de uma garça. O rio Amazonas passava ao lado. Mas eu queria insistir no caso da rã. Não seja este um ensaio sobre orgulho de rã. Porque me contou aquela uma que ela comandava o rio Amazonas. FaIava, em tom sério, que o rio passava nas margens dela. Ora, o que se sabe, pelo bom senso, é que são as rãs que vivem nas margens dos rios. Mas aquela rã contou que estava estabelecida ali desde o começo do mundo. Bem antes do rio fazer leito para passar. E que, portanto, ela tinha a importância de chegar primeiro. Que ela era por todos os motivos primordial. E quem se fez primordial tem o condão das primazias. Portanto era o rio Amazonas que passava por ela. Então, a partir desse raciocínio, ela, a rã, tinha mais importância. Sendo que a importância de uma coisa ou de um ser não é tirada pelo tamanho ou volume do ser, mas pela permanência do ser no lugar. Pela primazia. Por esse viés do primordial é possível dizer então que a pedra é mais importante do que o homem. Por esse viés é que a rã se acha mais importante do que o rio Amazonas. Por esse viés, com certeza, a rã não é uma creatura orgulhosa. Dou federação a ela. Assim como dou federação à garça quem teve um homem sentado na beira dela. As garças têm primazia.

 Manoel de Barros, in Memórias inventadas – A infância. São Paulo, Planeta, 2004.

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